Amira Daoud Hassan Gornass, nova presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA), embaixadora do Sudão na Itália e representante permanente de seu país junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Foto: Cortesia da autora

Por Katherine Mackenzie – 

Roma, Itália, 21/1/2016 – A nova presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA), Amira Daoud Hassan Gornass, declarou, em entrevista exclusiva à IPS, que está ao alcance das mãos cumprir o objetivo de fome zero até 2030, porque “já sabemos como produzir o suficiente para alimentar o planeta”.

“Agora, trata-se de compreender como os sistemas alimentares podem funcionar melhor para que não haja perda nem desperdício de comida e que seja distribuída de maneira mais equitativa”, pontuou a embaixadora do Sudão na Itália e representante permanente de seu país junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Gronass, eleita presidente do CSA em outubro, afirmou que a mudança climática, os conflitos e as crises políticas, entre outros fatores, afetam a segurança alimentar e a produtividade agrícola. Também destacou que há exemplos positivos na luta contra a fome no mundo, como os de Brasil e Índia, mas também há casos de retrocessos.

Esses temas estão estreitamente inter-relacionados e os países do Sul em desenvolvimento e do Norte industrializado devem trabalhar neles simultaneamente, de maneira holística e integrada, para que em 2030 nem uma só pessoa fique para trás, afirmou a embaixadora na entrevista à IPS.

IPS: Por favor, descreva alguns dos desafios mais difíceis que o mundo enfrenta na tentativa de erradicar a fome.

AMIRA DAOUD HASSAN GORNASS: Nosso planeta, embora grande e generoso,tem limites físicos e recursos naturais limitados que, no mundo povoado e globalizado de hoje, são cada vez mais escassos. Isto gera uma demanda que compete por terra, água e nutrientes, entre outras coisas. Os solos se esgotam. Isto tem impacto na produtividade agrícola e afeta ainda mais nosso ambiente.A mudança climática provavelmente seja a mais preocupante dessas mudanças que afetarão a todos nós, sem exceção. Os fatores políticos e de governança também entram em jogo. Em todo o mundo, as crises prolongadas se multiplicam. Esses conflitos afetam a produção de alimentos, desde a semeadura e a colheita, passando pelo processamento e a distribuição, até o consumidor final.A coordenação das políticas e a coerência é um tema importante para a segurança alimentar e a nutrição em todo o mundo. Por exemplo, é possível que,diante de um problema, os diferentes ministérios de um governo não compartilhem dos mesmos pontos de vista ou tenham enfoques diferentes, e em certas ocasiões antagônicos, o que faz com que a aplicação das políticas, como aquelas destinadas aos que sofrem insegurança alimentar, seja difícil ou tenha seus resultados colocados em perigo.Os países dentro de uma região também devem melhorar a coordenação de suas políticas. Algo que precisamos conseguir é uma comunicação melhor.Em termos gerais, todos os atores têm que reconhecer sua responsabilidade compartilhada. Cada ator tem um interesse, e responsabilidades, em alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição no mundo.

IPS: O que é um êxito e o que poderia funcionar melhor? O segundo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobre fome zero, é uma meta sonhada ou poderemos, na verdade, cumpri-lo até 2030?

ADHG: Há exemplos de importantes avanços na luta contra a fome. Em nível mundial, os números estão baixando e, no geral, as regiões fizeram um bom progresso. Algumas cumpriram todas as metas internacionais relacionadas com a fome até 2015. Porém, outros retrocederam devido a fatores novos, como as crises políticas.Definitivamente, o ODS número 2 pode ser cumprido até 2030. Já sabemos como produzir o suficiente para alimentar o planeta. Agora, trata-se de compreender como podem funcionar melhor os sistemas alimentares para que não percamos nem desperdicemos comida, e que esta seja distribuída equitativamente, esteja disponível a um preço justo e permita aos produtores melhorar seus meios de vida, e que também seja nutritiva e suficiente.Em consequência, as populações estarão melhor e os países terão a capacidade para crescer. O aumento da produção dos pequenos agricultores é crucial para conseguir isso. Essas são as pessoas que poderão incidir na nutrição e na qualidade dos alimentos, em geral.

IPS: Pode citar alguns exemplos específicos de êxito que indiquem o caminho para outros países?

ADHG: O Brasil é um excelente exemplo. O programa Fome Zero, introduzido em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o objetivo de erradicar a fome e a pobreza extrema, mediante a combinação de uma série de políticas de proteção social e medidas de redes de segurança dirigidas a aumentar a produtividade dos pequenos agricultores. A Índia também tem êxitos para compartilhar. Por exemplo, lançou uma campanha de sucesso nos meios sociais dirigida a educar a população – e especificamente as mulheres – sobre os sintomas e as consequências da desnutrição, bem como os benefícios da variedade na dieta, especialmente para bebês e crianças menores de cinco anos.A campanha foi implantada graças ao apoio de uma companhia telefônica, que deu às pessoas que viram um vídeo educativo minutos adicionais. Como consequência da campanha, a desnutrição caiu de 51% para 37%.

IPS: Acredita que os governantes do mundo compreendem a importância da segurança alimentar?

ADHG: Sim! Essa é a mensagem que enviaram em setembro de 2015 com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: os temas de desenvolvimento estão extremamente inter-relacionados e temos de trabalhar neles simultaneamente, de uma maneira holística e integrada e que reúna os países em desenvolvimento e os desenvolvidos, os governos e as demais partes interessadas. O desafio é que, enquanto a segurança alimentar e a nutrição geram benefícios que afetam muitos setores, como saúde e crescimento econômico, mas também ambiente e bem-estar geral da população, alcançá-las também requer mover coisas em muitos setores diferentes.Por exemplo, se deveria incluir “políticas sensíveis à nutrição” nos planos de saúde, nos programas de desenvolvimento agrícola, na gestão da água, na educação, etc. Este é o motivo pelo qual a segurança alimentar e a nutrição serão conseguidas somente se todas as partes interessadas perceberem isso e trabalharem juntas.Esse também é o motivo pelo qual a Agenda 2030, e a melhora da nutrição, ocuparão um lugar central na agenda do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) a partir deste momento. Os membros de múltiplas partes interessadas do CSA se reunirão este ano em grupos de trabalho de composição aberta, para discutir a forma de implantar concretamente as decisões adotadas na reunião plenária do CSA, em outubro de 2015.

IPS: Mudança climática não é um enorme problema no caminho para se conseguir a segurança alimentar e a erradicação da fome até 2030? Qual o papel do CSA? Poderia desempenhar um mais importante?

ADHG: Verdade, sobretudo nos países em desenvolvimento. Um aumento de dois graus Celsius (na temperatura média mundial) terá impacto dramático nos rendimentos dos cultivos e em seu conteúdo nutricional em muitas regiões do mundo, e também afetará a variabilidade do clima, que por sua vez tem efeitos adversos sobre as colheitas e a disponibilidade de alimentos.A mudança climática pode também gerar movimentos importantes de pessoas deslocadas, os “refugiados climáticos”, que têm importantes consequências para a segurança alimentar. Pequenas mudanças em uma situação de frágil equilíbrio poderiam ter enormes repercussões políticas e humanitárias.Todos os países têm que trabalhar juntos para se adaptarem à mudança climática e mitigá-la. Devemos trabalhar para proporcionar mais financiamento e ajuda técnica. Devemos habilitar os agricultores para que possam suportar essas mudanças de maneira sustentável. Devemos encontrar e adotar em todo o mundo métodos de produção agrícola que sejam sustentáveis, e rapidamente.Mas as soluções estão ao nosso alcance, graças ao enorme potencial tecnológico e de inovação, bem como aos conhecimentos tradicionais locais sobre a forma de produzir alimentos de boa qualidade utilizando os recursos disponíveis em todo seu potencial e de maneira sustentável.Sobre este tema, o CSA encomendou um informe a um grupo de especialistas de alto nível, intitulado Desenvolvimento Agrícola Sustentável, Incluído o Papel do Gado, que será apresentado em julho deste ano.Em 2012, o CSA publicou o informe A Mudança Climática e a Segurança Alimentar, que mudou a perspectiva sobre o tema.O informe apresentou a ideia da “agricultura climaticamente inteligente”, e os negociadores perceberam que a agricultura deve estar incluída nas negociações sobre o clima e que não é apenas uma parte do problema, mas também tem enorme potencial para as soluções. As recomendações políticas que foram negociadas em virtude deste informe continuam sendo de grande atualidade.No período anterior à 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), o CSA defendeu aberta e ativamente a adoção de uma narrativa comum para o desenvolvimento sustentável nos próximos 15 anos – entre os ODS, o financiamento para o desenvolvimento e medidas rápidas para limitar a mudança climática –, que assegure que todas as partes assumam sua plena responsabilidade e contribuam para um mundo melhor.O CSA continuará utilizando seu modelo, trabalho e poder de convocação para apoiar a ação conjunta, garantindo que a aplicação de todos os ODS que seu mandato incluir tenha em conta a necessidade da ação climática. O CSA está plenamente comprometido com o apoio a todos na construção de um mundo em que, no ano de 2030, nem uma só pessoa fique para trás. Envolverde/IPS

Source: icnw

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